Como posso ser triste se o meu cérebro está podre?
Sobre a trend do momento e a palavra do ano
Nos últimos dias, circulou nas redes sociais a trend “Como posso ser triste se…", onde as pessoas valorizam os feitos, conquistas e acontecimentos do ano que se encerra. Também nos últimos dias, soubemos que a palavra do ano de acordo com o Oxford Dictionary é brain rot. E uma coisa não tem nada a ver com a outra… aparentemente.
Estamos cansados de pensar
Com o mundo mudando numa velocidade difícil de acompanhar - são muitas novas tecnologias a se compreender, muitas novas trends a se acompanhar, muitas crises com que se preocupar -, não param de surgir novas expressões, já que o vocabulário que conhecíamos até pouco tempo já não dá mais conta dos tempos atuais. Infoxicação, infodemia, policrise, solastalgia. É muita angústia, e muita informação. Diante de tanto de tudo, estamos paralisados.
Já reparou que você toma melhores decisões pela manhã do que à noite? Que logo cedo é mais fácil de manter bons hábitos, enquanto no fim do dia é mais fácil acabar se rendendo à dupla iFood e Netflix? Isso pode ser um efeito da Fadiga da Decisão. Sejam conscientes ou inconscientes, a ciência sugere que um adulto toma cerca de 35 mil decisões por dia (Vou levantar agora ou ficar na cama mais cinco minutinhos? Vou tomar água ou café? Café com ou sem açúcar? E no buffet, vou comer alface ou rúcula? Feijão branco ou integral? Vou correr antes que o semáforo fique vermelho ou aguardo para atravessar com calma?) e isso, somado ao absurdo volume de informações que consumimos diariamente, obviamente causa uma exaustão mental. Uma vontade de não pensar em nada.
Tanto que as redes sociais têm sido invadidas por memes de… lobotomia. 😵
(Lembrei, inclusive, de mais um que vi há alguns dias, mas não encontrei agora. Uma foto do casal de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, com os dizeres “eu quero o que eles têm (meu cérebro apagado)”.)
E é aí que entra a palavra do ano…
Traduzida como “atrofia mental” ou, mais ao pé da letra, “podridão cerebral”, brain rot define essa sensação de vazio cerebral que sentimos após ficar um longo tempo scrollando as redes sociais, consumindo conteúdo raso ou “pouco desafiador". A expressão, descobri hoje, não é nada nova. Foi criada pelo desobediente Thoreau, para criticar a tendência da sociedade de desvalorizar ideais complexas em favor das mais simples.
Em uma era em que estamos não só exaustos, mas também ansiosos, preocupados, soterrados pela sensação de incerteza de futuro causada por concomitantes guerras, crises econômicas e desastres climáticos, não é de se surpreender nem julgar que tenhamos vontade de anestesiar nossos pensamentos (e todo o resto, já que existe também o bed rotting, que paraliza não só a mente, mas também o corpo) com conteúdos consumidos com tão pouca atenção que em segundos já nem lembramos mais.
E é nesse desejo de anestesiar o incômodo que surge a trend da vez
(E talvez as trends em geral…)
Nada contra celebrar conquistas… É incrível olhar pra trás e pensar que, mesmo que muitas vezes parecesse que não, tivemos um bom ano. Mas dá, sim, pra ser triste mesmo em meio a bons acontecimentos. Dá, sim, pra ser realista em meio a tanta realidade. (E é até mais saudável.)
E enquanto uma parte da internet se rende a esse humor cínico e niilista (como o dos memes sobre lobotomia e as tendências girl dinner e messy girl), outra parte segue a fórmula da busca pela “perfeição”, onde sentimentos negativos e derrotas são negados e anestesiados e um modelo ideal é seguido. Afinal, por que gastar ainda mais energia tomando decisões próprias, se temos modelos de sucesso a serem seguidos à risca?
Afinal, como posso ser triste se meu cérebro está atrofiado?